sexta-feira, 17 de julho de 2009

AMANHÃ. AQUI. NESSE MESMO LUGAR

BONEQUINHA DE LUXO




Marlene liga mas está ocupado
Marlene soca o telefone
Agora ela vai precisar de todos
Está no fim da linha
O pânico tomando conta
O fôlego em baixa
O pulso fraco
Olha para a rua lá embaixo
Pensa nos vizinhos
Pensa nos pais que já morreram
Faz o sinal da cruz, recua
Bate com a cabeça na lâmpada
Resolve queimar as pontas do cabelo só pelo cheiro
Se livrou do gato e agora o quer de volta
Antigamente o problema era dos outros
e era ela quem dava ouvidos
Nunca se imaginou numa dessas
Pílulas resolvem,
mas pelo tanto de quilos que ela já perdeu...

terça-feira, 7 de julho de 2009

AMANHÃ. AQUI. NESSE MESMO LUGAR

BAGAÇO




Leva um tempo pra domesticar essa garota
Estou olhando uns sapatos de um catálogo antigo
Ela está no banheiro, diante do espelho
contando os dentes que sobraram
Nenhum resquício de juventude
a não ser a idade
Estamos os dois metidos nesse barco
que era pra puxar pra terra
mas perdemos a rota, a corda e o juízo
Agora sou obrigado a fazer par com a descrença
e me guiar pelo vento
Ela pensa nos namorados que teve
Eu quero dinheiro

AMANHÃ. AQUI. NESSE MESMO LUGAR

CARIDOSA




UM PASSEIO em volta da lagoa. Depois da caminhada, os
dois sentam em um bar para esticar a conversa. Um gesto
para o garçom e o pedido: guaraná, cerveja e um sanduíche de
pernil dividido ao meio que é para dois. Enquanto esperam,
discutem as alternativas. Ele expõe seu ponto de vista: se é para
ir para Londres que ao menos se vá acompanhada. Ela contraargumenta
dizendo que está em busca de experiências novas.
Ele insiste. Não quer que ela o deixe. Diz que Londres é uma
cidade úmida e fria. Ela responde: “Gosto de chuva e inverno.”
O assunto se esgota tão logo eles terminam o sanduíche e as
bebidas. Antes que os dois se levantem, ele tenta um beijo na
boca. Ela vira o rosto oferecendo uma bochecha em troca. Um
suspiro, não sei se dele ou se dela. Depois ela puxa as duas mãos
dele para perto, ainda naquela de se fazer de caridosa, pede
desculpas mas diz que tem outros planos. Tenta soltar as mãos
mas agora é ele que segura. Antes do adeus, uma pausa. Ele
espera que ela continue. Ela espera que ele desista.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

AMANHÃ. AQUI. NESSE MESMO LUGAR

VAGABUNDO




BOLO na cara mas ele desvia. Ela grita “vagabundo” mas ele não
se sente ofendido. Na garagem, ela tenta amassar o carro com um
vaso mas o vaso se quebra cortando sua mão. Ela limpa o sangue
no vestido e continua a agressão, dessa vez com a vassoura. O
cabo se parte. Ele suporta a dor porque entre tantas dores não
seria aquela a pior. Ele corre para o banheiro. Ela esmurra a
porta. A criança acorda e chora mas ela continua esmurrando a
porta e berrando. Ele se senta na tampa da privada e espera. Ela
se cansa, senta no chão com as costas encostadas na porta. Ele
percebe a deixa, abre a porta e se agacha ao lado dela. Ela toma
seu pulso. Ele passa a mão pela testa dela. Ela reúne um resto de
força e lhe aplica um soco bem no queixo. Depois enche ele de
beijos arrependida. Mas aí ele já está desmaiado. A chance que
ela tanto queria...