domingo, 14 de junho de 2009

AMANHÃ. AQUI. NESSE MESMO LUGAR


ESSA NOITE OUTRA VEZ...




MADRUGADA corre. Garota esmurrando a porta do
vizinho.
“Abre a porta, seu merda!”
Apartamento vazio. Na certa, algum engano, para a sorte
de quem deveria estar do outro lado.
Eu abro a minha porta, meto a cabeça para fora. Ela me
olha.
“Ele não está”, digo.
“Quem é você?”, ela diz.
Eu digo:
“Ele não está”, e fecho a porta.
De dentro, consigo ouvir os passos dela andando em círculos
pelo pequeno espaço do corredor, enquanto coça a cabeça e solta
mais alguns palavrões. Decido dar mais uma chance. Ponho a
cara para fora e pergunto:
“O que você está esperando?”
Ela me responde mostrando o dedo.
“Não tem ninguém nesse apartamento”, eu digo.
“Como você sabe?”
“Moro aqui.”
“Eu não te conheço.”
“Certamente que não. Mas moro aqui.”
Ela ainda dá mais algumas voltas e estanca. Parece exausta.
“Já que é assim...”, ela diz abrindo os braços.
Segue um silêncio curto.
“Vê se se acalma. Toma um café que passa”, eu digo. E
quando me viro para fechar a porta, ela já está ali parada, bem
debaixo do batente.
“Pensei que fosse um convite”, ela diz.
“EI, QUE cheiro é esse?”, ela diz tão logo pisa dentro do meu
apartamento.
“Cheiro?”, eu não sei do que ela está falando.
“Você tem gato?”
Digo que não balançando a cabeça.
“Tem namorada?”
Repito o gesto com a cabeça.
“Quem é que cuida de você?”
“Eu mesmo cuido de mim.”
Ela se joga no sofá.
“Que espécie de sofá é esse?”
Ela parece se sentir à vontade. Chuta fora as sandálias para
se deitar. Por um instante eu fico sem saber o que fazer.
“E aquele café?”, ela diz me trazendo de volta.
Eu corro até a cozinha para constatar que não tem mais pó.
“Acabou”, eu digo a ela.
“Acabou?”, ela sai do sofá.
“Pois é, acabou. Não tem mais pó.”
“Você não me chamou para tomar café?”
“Eu não imaginava que você fosse aceitar.”
“E não tem mais nada que substitua o café?”
Antes que eu diga qualquer coisa ela descobre uma garrafa
de vinho em cima da geladeira.
“Ei...”, ela diz ao descobrir a garrafa.
Ela se estica para pegar mas a altura não dá.
“Será que você alcança?”, ela diz apontando a garrafa.
“Você quer beber vinho?”
“Eu bebo qualquer coisa.”
Eu penso em uma outra opção já querendo me livrar dela.
“Faz uma coisa. Eu te dou essa garrafa de vinho. Leva ela
com você”, eu digo.
“Levar para onde?”, ela diz.
“Para a sua casa.”
“Eu não tenho casa.”
Mas eu não acredito:
“Como não tem casa?”
“Vim aqui para ficar com esse cara e esse cara me deu o
fora.”
Um fio de desconfiança corre pela minha mente.
“O que você acha?”, ela diz.
“Sobre o que?”
“Sobre tudo isso? Você teria coragem de me dispensar?”
“Eu não sei.”
“Pois é isso. Ele me dispensou.”
Ela volta a se esticar no sofá.
“Tô me sentindo um caco”, ela diz.
Tento contornar a situação.
“Escuta... Tá legal, se você quiser ficar por aqui essa noite,
tudo bem, eu não me importo”, eu digo.
“Eu não disse que queria ficar com você. Foi você quem me
chamou para dentro.”
“Faça como você quiser.”
“Se você não quer o vinho, eu não faço questão.”
“Tudo bem. Nós vamos tomar o vinho.”
“Legal.” Ela pula do sofá.
“Espera só um instante”, ela diz se encaminhando para a
porta de entrada.
“Aonde você vai?”, pergunto.
“Tem um carro me esperando lá embaixo.”
Ela desce sem dar tempo de meter as sandálias. Eu espero.
Ela demora. Espero um pouco mais. Nem sinal. Acabo dormindo
ali mesmo, no sofá.

NA MANHÃ seguinte, acordo e dou de cara com a garrafa de
vinho vazia, mais dois copos sujos deixados do lado e um bilhete
debaixo de um deles:
“Essa noite, outra vez...”

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