domingo, 14 de junho de 2009

Texto da orelha do livro escrito por Marcal Aquino



Do amor e outras patologias

Marçal Aquino



Publicada inicialmente em livrinhos que evocavam, no formato, a literatura de cordel e atendiam por títulos tão sentenciosos quanto encantadores – Se você está nessa pra valer, você tem que agüentar as conseqüências; Lembre-se de que hoje é dia santo; Jesus há de estar do meu lado –, a ficção de Sérgio Puccini sempre teve na observação dos relacionamentos amorosos sua linha de força mais importante.

Arranjadas em conjunto neste Amanhã. Aqui. Nesse mesmo lugar, essas narrativas breves, por vezes brevíssimas, realizam uma espécie de inventário do entulho conjugal que se acumula, inevitável, quando dois (ou mais) seres se encontram dispostos a compartilhar afetos e neuroses. É como se o amor, em sua condição de patologia, fosse examinado sob a lente de um microscópio. Com uma predileção quase obsessiva pelo detalhe, Sérgio Puccini se vale do flash para flagrar casais perplexos no momento em que o poético do amor se degrada e cede lugar ao patético.

É de situações corriqueiras, quase prosaicas, que o escritor extrai a matéria-prima de seus contos. E a linguagem enxuta com que dá forma aos relatos serve para tensionar ao limite os embates que focaliza. Como um correspondente de guerra que mandasse, em linguagem telegráfica, notícias do front sentimental. Puro osso.

Aqui, na maioria das vezes, o que conta é o que não se conta, sendo o omitido tão importante quanto o que é narrado. Mais do que exercitar a velha técnica do ‘iceberg’, de que falava mestre Hemingway, Sérgio Puccini leva às últimas conseqüências uma estratégia de miniaturista, na qual sutis pinceladas são mais que suficientes para oferecer aos nossos olhos os contornos precisos dos personagens e situações. Literatura minimalista, porém substantiva.

Na melhor tradição do americano Raymond Carver (1939-1988), outro que tinha apreço pelos títulos derramados, que acabavam por se contrapor ao texto contido, e do nosso Dalton Trevisan, o autor de Amanhã. Aqui. Nesse mesmo lugar exibe voz própria ao criar um painel sobre as misérias e mesquinharias que cercam um relacionamento afetivo. Cronista das trincheiras conflagradas do amor, ele combina com habilidade o poder do observador atento com a potência da concisão para estabelecer seu território literário. Um território por onde transitam criaturas esmagadas pelo peso de sua humanidade e trespassadas pela certeza de que, na guerra conjugal, todas as armas são aceitas e só não vale ter medo do ridículo – o que, por sinal, sabe muito bem quem um dia já se arriscou no jogo do amor.

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